quarta-feira, 17 de junho de 2015

V de "Volto ao jardim"


PASSOS TRISTES


Voltando para a cama aos apalpões depois de mijar
Abro as espessas cortinas e sinto um sobressalto
Ao ver as nuvens velozes e a limpidez da luz.

Quatro da manhã: os jardins de sombras agrestes
Sob um céu cavernoso, espicaçado pelo vento. 
Há nisto tudo algo que faz rir, 

A lua a correr por entre as nuvens ralas
Como fumo de canhão acaba por se destacar
(Luz cor de pedra aguça as arestas dos telhados)

Elevada, insensata e solitária -
Pastilha do amor! Medalhão da arte!
Oh, lobos da memória! Imensidões! Não,

Virado lá para cima, sinto um leve arrepio.
Esse olhar tão singularmente duro e claro
Tão amplo, tão fixo e penetrante

Traz à memória a intensidade e a dor
De ser jovem; e recorda que nada disso vai voltar,
Mas existe plenamente, noutro sítio, para outros. 


Philip Larkin, Uma Antologia,
trad. Maria Teresa Guerreiro, Coimbra: Fora do Texto, 1989

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