terça-feira, 1 de março de 2016

T de Tempo Sem Tempo (XVIII)


Doutor eu tenho uma guerra tremenda dentro da minha cabeça
um euro e trinta e cinco cêntimos 16 de agosto de 2011
não dá para tabaco. Quero lembrá-lo que o verão está a acabar

e eu já ouço passos nos caminhos da lama e do medo
e há coisas que só no verão  se fazem e eu ainda não fiz
como ouvir o rumorejar do mar nos meus pulsos.

Os seus medicamentos doutor deixam-me sem mim
o meu pai disse-me que a minha doença só lhe traz problemas
doutor há uma pedra intraduzível entre nós dois

eu não quero morrer outra vez essa frase fá-lo muito feio.
Acredite que vi gente morrer porque era maior que o corpo
tenho a impressão que o corpo não sabe o que tem dentro

acredite que consigo fundir uma lâmpada só com o olhar
já fundi muitas lâmpadas só com o olhar
e que vi um anjo a atravessar os muros de um hospício

rasante e belo como uma garça.
Doutor há muito pouco tempo para a poesia.
Isto que lhe digo é verdade todos os dias doutor.


António Amaral Tavares, Talvez seja essa certeza,
Coimbra: Medula, 2014

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