segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

(O) Jardim e a Casa (XX)


o teu rosto, o desenho pouco a pouco devorou-o:
o vento que interrompias com o riso
é agora um sopro interminável
onde as roseiras se tornam transparentes.
Não te percas no jardim como um deus esquecido
nos lábios dos mortos, não desfaças a estação
do rigor que parece eternidade: ainda a manhã
não transformou a geada num resíduo da luz,
na casa vacilante que abriga os meus passos.
Quando te chamo esconde-se no teu nome
a minha ausência


Rui Nunes
in Antologia Crítica e Pessoal, coord. Annabela Rita,
Lisboa, Roma Editora, 2009

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

E de Espanta-espíritos


Uma árvore de Natal minimalista.
Com votos de boas festas e melhores ventos.




[ID, Lisboa, 12/015]

domingo, 13 de dezembro de 2015

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

E de Espera (XIX)


PEQUENOS VIDROS AZUIS


Cobria a mesa com velas acesas
a macerada tarde do mês último –
   e escrevia em rectângulo
de papel bem aparado,

depois rasgava. Todos o podiam ver
sentado a essa mesa no cimo do parque,
a casa,
o vidro azul da janela

canal de água a par do caminho. Foi
quando surgiu o levadeiro
   – as velas de um sopro apagou –
caía a água na extensão da rocha

no perfume magoado de Dezembro
entre o rumor do vento
a sombra não se movia nem se prendia ao
traço do corpo, não imitava os gestos

em doce modo apagou todas as velas
ao que escrevia sem qualquer sentido
ao muro branco do nevoeiro
a última folha da faia rubra prendia a

vazia escrita do desejo, seguia-o
com o passo de um ladrão e o tremor
de quem falta a secreto juramento.


João Miguel Fernandes Jorge, Lagoeiros,
Lisboa: Relógio D’Água, 2011




[ID, Nazaré, 08/10/11]

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

N de "No princípio era o nevoeiro" *






[ID, Lisboa, 06/12/015]


* Ana Teresa Pereira

domingo, 6 de dezembro de 2015

E de Espera (XLI) - 2.º Domingo de Advento


V.

este rastilho
a linha mais recta
para o verão


Anónimo, Fósforos,
Porto, Edições 50kg, 2015




quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XLI)


"Era o tempo em que ainda acreditávamos em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço. [...]"

- Ana Teresa Pereira, Neverness,
Lisboa, Relógio D'Água, 2015

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

H de Heathrow Express (II)




[ID, Londres, 11/015]

terça-feira, 17 de novembro de 2015

H de Heathrow Express


ACROBACIAS


sentados em Trafalgar Square
no intervalo de amigos
com o tempo entre as mãos
treinávamos o inglês
num inquérito de revista
com Francis Bacon na capa
que perguntava:
qual dos membros
- superiores ou inferiores -
preferias perder
(esta ablação em língua estrangeira
torna-se indolor, quase anestesiada)
respondeste: os braços
as pernas conservá-las-ia
como a liberdade de poder andar
respondi: as pernas
não queria ver-me 
impedida de abraçar.
Assim juntando as nossas
perdas
eu abraço-me a ti
e peço-te anda, mostra-me o mundo
e quando nos cansarmos 
abraçar-me-ás, então, com as pernas
e eu
andarei com os braços.


Ana Paula Inácio, 2010-1011,
Lisboa, Averno, 2011



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

F de "(Une) Famille d'Arbres" (VIII)


GREVE GERAL


Nesta sede de
poder sem medida
gostaria de ter
um banco
e a fronde 
de uma árvore.
Uma me bastaria:
raiz, e ramagem
puxada para os céus.
Banco com a dureza
mineral do carbono:
caroço universal - 
um punho cerrado.
E depois quebrar
as regras, capaz de
fechar os olhos
sob o interdito 
dessa frescura
sã crepuscular.
Inclinar aí a cabeça 
sobre o peito,
sem alerta, e sentir, 
invasivo, o spread 
das sementes.


Paulo da Costa Domingos, «Voici la poésie ce matin 
et pour la prose il y a les journaux», 
Lisboa, Averno, 2014





[ID, 'Longe da aldeia', 02/013]

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

H de "Hay que beber para recordar y comer para olvidar" (II)





Três livros preferidos de cozinha:

Inês de Ornellas e Castro (int., trad. e comentários), O Livro de Cozinha de Apício - Um Breviário do Gosto Imperial, Lisboa, Relógio D'Água, 2015

Eihei Dogen, Tenzo Kiôkun - Instruções para o Cozinheiro Zen, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010

Manuel Vázquez Montalbán*, Las Recetas de Carvalho, 2.ª ed., Barcelona, Planeta, 2005





* A quem pertence a frase que serve de título ao post. 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

a de "aparece de vez em quando uma inês que gostaria de fotografar coincidências" (II)


Reconheces a força animal
da folha descendo, ave, em redor
do seu eixo. Em cada noite
os gestos de ver trazem-te 
inquietude, contas as telhas que faltam
e a lanterna aponta ruídos. 
Morreram dois peixes
nessa luz e outra moléstia
abre o outono, lançasses
o ácido às camélias e logo
havias de ver a falsa cor do céu.
A folha que desce é uma asa
no caminho da seda interior
da terra. Ou os teus dedos compondo
a feroz razão de uns enxertos.


Helder Moura Pereira
in AAVV, Dep. Leg. n.º 23571/88,
Lisboa, Frenesi, 1988




[ID, Jardim Constantino, 06/04/2011]

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A de Aniversário (XIV)


Sob a água
vê-se: Inês
posta em sossego,
pedacinhos de ossos.
Olha, aquele rapaz...
o seu corpo é apenas o estojo
duma jóia: ele tem os olhos de Inês.


José António Almeida, António Nogueira,
Lisboa, Edição do Autor, 1984




[ID, 'God is in the details', Madrid 015]

sábado, 7 de novembro de 2015

T de Tempo Sem Tempo (XVI)

     A torrente da multidão queria arrastar-me. As luzes verdes à esquina das ruas ordenavam-me que atravessasse. O polícia sorria a convidar-me para que caminhasse por entre os pregos de cabeça prateada. Até mesmo as folhas de Outono obedeciam à enxurrada. Eu, porém, apartei-me dela, como um objecto extraviado. Desviei-me e parei ao cimo das escadas que descem para os Cais. Lá em baixo deslizava o rio. Um rio diferente da torrente de que eu me separara formada por peças dissonantes que se chocavam com aspereza, movidas pela avidez e pelo desejo.
     Corri pelas escadas abaixo em direcção ao molhe - os ruídos da cidade recuavam à medida que eu descia, as folhas murchas refugiavam-se aos cantos dos degraus sob o vento das minhas saias. Ao fundo das escadas deitavam-se os marinheiros naufragados da torrente das ruas, os vagabundos que se tinham afastado da multidão, que se haviam recusado a obedecer. Tal como eu, a uma dada altura do trajecto, separaram-se, e ei-los ali estendidos, náufragos, no sopé das árvores, a dormirem ou a beberem. Tinham abandonado o tempo, as riquezas, o trabalho, a escravidão. Caminhavam e dormiam contra o ritmo do mundo.  [...]
      
Anaïs Nin, "A Casa Fluvial"
in Debaixo de uma redoma, trad. de Maria Ondina Braga,
Lisboa: Vega, 1986




[ID, 'Lisbon revisited', 2015]

sábado, 31 de outubro de 2015

P de "... pero que las hay"


como las brujas
voy vestida de cielo



ANALÍA MARCHESANO
in La luz que no da tregua, Puntal del Este: Trópico Sur Editor, 2015




[ID, Novembro 2008]

T de Tratado de Pedagogia (LXVI)


15 de Maio de 2006


Ensinar, escrever, cantar, compor música, levá-la à soleira da porta para que ela receba o sol, são actos de amor. 
Não deixar estropiar o ensino, a escrita, o canto, a composição da música que se leva à soleira da porta para que receba a transparência da lua, são actos de protecção amorosa _____
[...]


Maria Gabriela Llansol, O Azul Imperfeito - Livro de Horas V (Pessoa em Llansol)
org. Maria Etelvina Santos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

I de "I want to ride my bike" (VII)


     "O anjo: eternidade após eternidade a guardar cadáveres, segurando-lhes a trela, deixando-os entrerroer os ossos. [...] 
    O anjo: eternidade após eternidade a oficiar a resistência, atiçando o lume nos olhos dos que ainda aprendem a amar aquilo que se lhes recusa. Para eles, o sonho, não o sono, é um lobo entre dois ataques. Emboscado sem horários, dias úteis, tréguas. Sem medo. Sem abdicar de ser inquieto e convulso, que é o mesmo que dizer vivo e poético. Respeitando o círculo das trevas, espreitando o sinal do pássaro do terror, seguindo convictamente o seu assassino como se um fio lhe prendesse cada nervo aos arrepios da cegueira, aos pregos na voz. Os últimos dos últimos, escreveriam; os verdadeiros toureiros, os funâmbulos.
     Pobre anjo. De paciência destelhada, contempla o seu rebanho de cadáveres. Nunca se sentiu tão mal acompanhado. E nós tão sós, neste mundo de sombras ocupadas a repisarem a nossa sombra, às escuras." 


Inês Dias
in Cão Celeste n.º 2, Lisboa, Outubro de 2012




[Josef Koudelka, Czechoslovakia, 1968
 © Josef Koudelka/Magnum Photos]

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

P de (Po)ética - LVI


VIDA AÉREA


o quanto você quer, me diga, com frio na barriga,
proclamar norte onde seu nariz aponte, se livrar do
que não interessa, com força, abrir a cabeça, meter pés
pelas mãos, com pressa, não importa, sentar no escombro
ombro a ombro com a obra, me diga me diga, com frio
na barriga, quanto tempo perdido, quantos reais no bolso,
quantos livros não lidos, quantos minutos de espera,
quantos dentes cariados, me diga o quanto você quer tudo isso
e para onde quer que envie, se você quer que embrulhe


Angélica Freitas, Rilke Shake
Lisboa, Douda Correria, 2015

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

T de "The days grow short" (XI)


6.


Mas possa eu, Senhor, não perder nunca
os olhos com que ao frio me enamoro
das folhas que se movem casuais
ao vento outonal das alamedas.


in Telhados de Vidro n.º 3, Lisboa: Averno, Novembro de 2004




[Coimbra, Janeiro 014]

terça-feira, 27 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XL)



[ID, S. Miguel, 06/015]



[...]

Nada poderá trazer um navio de volta
a este porto prometido às trevas
e ao visco.
No jardim que deixámos para trás
(e lembra hoje uma única teia de tamiça e estopa)
cresceram as luzes da visitação

Não seguimos o rio, não iremos juntos.
Só damos de nós o que jamais
poderão ver

[...]


Luis Manuel Gaspar, Lvminaria, 2.ª ed. revista, 
com capa de José Escada e arranjo gráfico de Inês Mateus, 
Lisboa, Alambique, 2015




[ID, 'Pelos caminhos da manhã', 12/007]

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

P de...


Lembrei-me ontem, por volta das 20h, de algo que reli há pouco tempo:


219

Era uma vez um homem elástico. Quando era preciso que ele passasse através duma porta mal aberta esticavam-no em comprimento e ele passava. Não era preciso abrir mais a porta. Quando ao deitar-se, se a cama fosse curta encolhiam-no, ele dava em largura e assim estava sempre tudo certo. Este mito, que deu origem ao verbo procrastinar, há muito que é conhecido dos portugueses. 

- ANA HATHERLY

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

S de Solidão (ou C de Comunidade) - LXIII


249

Olho-te e penso naquele poeta que fala da loneliness of much beauty. Quantas vezes nos sentimos extraordinariamente sós embora sentindo-nos felizes. O amor é impossível mesmo quando possível. 


Ana Hatherly, 463 Tisanas,
Lisboa, Quimera, 2006





[Fotografia de José Francisco Azevedo,
na capa de Rainer Maria Rilke, Nota sobre a melodia das coisas, 
Lisboa, Averno, 2011]

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

N de 'Nous deux encore' - V b


Tinham nascido iguais aos outros
e tinham decidido após alguns anos
continuar a ser iguais.
Falariam até de madrugada sem pensar
que o seu filho herdaria esse costume.

Iam tornar-se insones e conquistar tudo.
Iam sair de casa ao amanhecer,
à hora em que os amantes
resistem à primeira luz e se reconhecem.
Iam estar prontos para chegar a tempo
às grandes conversas que começam
em muitos pontos da cidade todas as manhãs.
Tinham a absoluta certeza
de se estarem a amar num tempo diferente deste.

Tudo o que se dizia sobre o país lhes interessava,
registavam-no e conseguiam nomeá-lo
antes de se entregarem um ao outro.
Iam ser a primeira falta de educação.
Iam trazer um filho ao mundo
para que as esperanças colocadas neles
já não fossem reais.

Deixariam o seu amor no ponto mais belo
em que uma história de amor alguma vez ficou.
Iam sempre precisar de mais um dia
para saber o que fazer com a sua vida
e sempre, como uma excepção, lhes seria concedido.


Pablo Fidalgo Lareo, Os meus pais: Romeu e Julieta,
trad. Manuel de Freitas, Lisboa, Averno, 2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

N de 'Nous deux encore' (V)




[ID, 'Nous deux encore', 19/10/015]

domingo, 18 de outubro de 2015

C de "celui qui regarde une fenêtre fermée" (IV)


INFÂNCIA


I

Terra
sem uma gota
de céu. 


II

Tão pequenas
a infância, a terra.
Com tão pouco
mistério. 

Chamo às estrelas
rosas.

E a terra, a infância,
crescem
no seu jardim
aéreo.


III

Transmutação 
do sol em oiro.

Cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.


IV

Chamo
a cada ramo 
de árvore 
uma asa.

E as árvores voam.

Mas tornam-se mais fundas
as raízes da casa,
mais densa
a terra sobre a infância.

É o outro lado
da magia. 


V

E a nuvem
no céu há tantas horas,
água suspensa

porque eu quis,
desmorona-se e cai.


VI

Céu
sem uma gota 
de terra.


Carlos de Oliveira
in A Perspectiva da Morte, sel. de Manuel de Freitas,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2009




[ID, Lx, ontem]

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XXXVIII)


AS ANDORINHAS


I

     Dão-me a minha lição de cada dia.
     Pontuam o ar de pequenos gritos.
     Traçam uma linha recta, põem uma vírgula no fim, e, bruscamente, mudam de linha.
     Colocam entre loucos parênteses a casa onde moro.
     Ascendem da cave até às águas-furtadas, demasiado velozes para que no tanque do meu quintal fique uma cópia do seu voo.
     Com uma pluma de asa ligeira, dão forma a inimitáveis rubricas.
     Depois, aos pares, abraçadas, juntam-se, misturam-se, e são um borrão de tinta sobre o azul do céu.
     No entanto, só um olhar amigo pode segui-las, e se o leitor sabe grego e latim, eu sei ler o hebreu que no ar escrevem as andorinhas-das-chaminés.

[...]


Jules Renard, Histórias Naturais,
com tradução de Carlos Pombo e ilustração de Maria João Worm,
Lisboa, Quarto de Jade, 2015



[Tiragem: 50 exemplares numerados]

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XXXVII)


Era um país, um corpo,
uma cidade de ossos
calcinados, onde nem cães
metiam o dente.

E o corpo é um cristal lívido
no centro d'uma praça, deportado,
límpido, onde nem os homens
se atrevem.

A cidade aposta-se toda
na espessura do sono, na
candura banal, vulgar,

do país em ruína: impaciente.


Paulo da Costa Domingos, Cal,
com prefácio de Vitor Silva Tavares,
Lisboa, Averno, 2015



terça-feira, 13 de outubro de 2015

domingo, 11 de outubro de 2015

P de Poética - LV b


LARGO 2 DE MARÇO


para a Inês Dias


o largo tinha tanto.
o largo tinha tudo.

à noite o largo não era escuro,
e eu tinha as mãos de meu pai
a contar-me, pelos dedos, a luz do dia seguinte.

o largo ficou cheio de tempo,
e sem um sorriso para gastar.

já não há nenhum mistério
na Casa das Palmeiras.
a morte não gosta de palavras com quatro sílabas,
prefere o pó.


Emanuel Jorge Botelho, Fecho as cortinas, e espero,
 Lisboa, Averno, 2014





[ID, Casa das Palmeiras, 06/015]

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

S de "Solo se pierde lo que no se ama" (IV)




John Ashbery
in Uma Onda e Outros Poemas,
trad. colectiva (Mateus, Junho de 1991), Lisboa: Quetzal, 1992

R de Regresso ao Trabalho - XLVIII b


Ouvida ontem, no Teatro Maria Matos
a várias vozes e a vários tempos:




[...]
Te vas Alfonsina
Con tu soledad
¿Qué poemas nuevos
Fuíste a buscar?
Una voz antigüa
De viento y de sal
Te requiebra el alma
Y la está llevando
Y te vas hacia allá
Como en sueños
Dormida, Alfonsina
Vestida de mar.
[...]

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

B de Biorritmo (CLVII)


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A de "A propósito de andorinhas" (III)


Ontem, o concerto do grupo Hirundo Maris começou assim:




Anima nostra, 
sicut passer, 
erepta est 
de laqueo 
venantium

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

S de 'Solo se pierde lo que no se ama." (III)


"Magoar alguém é um acto de intimidade relutante."




Hanif Kureishi, Intimidade,
trad. Inês Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2015

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

S de "Solo se pierde lo que no se ama." - b *




Novalis
citado por Rui Chafes.



* Começa assim um poema de Claudio Rodríguez.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

T de Tratado de Pedagogia (LXIV)


Como se alguém teimosamente mudo
ante o esplendor que não se vê de dia
tivesse ignorado os livros de estudo
e saído porta fora da aula de poesia

Como se alguém falhasse a pontaria
frente às imagens raiadas de sonhos
e só tivesse olhos para aquela alegria
que mora dentro de espelhos medonhos

Como se alguém arrancasse a cabeça
e a escondesse no bolso das calças
de forma a que a luz esquecesse depressa
ter entrado sempre por janelas falsas

Como se alguém sem o saber dissesse
adeus muito antes da hora da verdade
e ficasse à esquina de tudo o que acontece
e a peste estourasse na cidade


Vítor Silva Tavares, Púsias,
Porto: Edições 50kg, 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

S de Santa Cruz - XI b






[ID, 'As escadas não têm degraus', Seixo, 14/09/015]



sábado, 12 de setembro de 2015

T de Tratado de Pedagogia (LXV)


É O DOMÍNIO


É o domínio
de uma luz que dura além do limite
e que ao terminar não oferece
um tempo mínimo para os olhos
se habituarem ao escuro.
Percebo o luar sem olhar para o alto
e a lembrança de certas constelações
(o cinturão de Órion, as três Marias
tão ordenadas) é como a memória
que trago do mar visto pela última vez
há nove anos - eu, animal aleijado
de tudo o que seja sentido cardeal.
Em minha cidade, lugar de origem,
não sei apontar o leste,
desconheço a existência de pássaros migradores
e até do que me é cativo
guardo um conhecimento impreciso:
de onde chegam as aves
que invadem todas de uma vez as árvores
da Praça XV ao entardecer
de um mês preciso, mas qual?
Janeiro e o apogeu do calor?
Junho e as suavidades do frio?
E como dizer que um dia é diferente
do lixo amontoado nas esquinas?
Ver simplesmente é um hábito
que se desaprende e do qual
mal se sente falta; o coração
é uma história contada por um velho
que, se sabe o próprio nome, ignora
o lugar em que nasceu
e, se ainda enxerga os pássaros nos ares,
não sabe se está diante de seres eternos
ou se os contempla em seu último voo.


Daniel Francoy, Calendário, 
Lisboa, Artefacto, 2015

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

L de de "[...] like the rain, like the night"






Michel Faber, O Livro das Estranhas Coisas Novas,
trad. Inês Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2015

terça-feira, 8 de setembro de 2015

P de "Pelos caminhos da manhã" (VI)




'God is in the details.'
[ID, 07/09/015]



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O de "Onde se lê 'gato'..." (XI)





 

[Mário Botas, Lychee, 1982]




[Telhados de Vidro n.º 20, com capa de Daniela Gomes,
Lisboa, Averno, Setembro de 2015]

domingo, 6 de setembro de 2015

N de "No fundo, é isto" (V)


Que venham mais dias
(com os mesmos amigos e o mesmo amor) 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

T de "The days grow short" (XIII)


NOSTALGIA III DO ESPAÇO LIVRE   


Era setembro era o sol ao longo do rio sem pressas
arrumado o calor na garagem dos eléctricos então
dispúnhamos das tardes para conversas súbitas
e longas de falar acetinadas o trato negligente
en ville dizíamos quando vier novembro
teremos mel e torradas de pão centeio caseiro
Éramos os rapazes os pensamentos as pontas escuras
do corpo que brilhavam na contraluz verde
das raparigas desembarcadas posto o sol já
noite A travessia curta no barco da Afurada
terminava numa impaciência e subíamos para o 18
com fome direcção Carmo


Carlos Leite, O Desflashar dos Espaços,
Lisboa, Black Sun, 1987





[ID, Lisboa, 'Bom Ano Novo', 014]

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

C de Criatura(s) (II)


CRIATURAS


Hamlet descobriu-as nas formas das nuvens,
mas eu vi-as na mobília da infância,
criaturas debaixo das camadas de madeira,

uma escondida num aparador polido,
outra franzindo o olho atrás de uma cadeira,
outra uivando no escritório silencioso de minha mãe,
presa no grão do ácer, congelada em carvalho.

Também via estas silhuetas
no padrão em espiral do papel de parede,
e nos vários verdes de um candeeiro de porcelana,
cada uma parecendo tão melancólica, tão amaldiçoada,
algumas olhando para mim como se soubessem
todos os segredos de um rapaz enigmático.

Muitas vezes estava a sonhar acordado,
deitado na carpete, e uma aparecia junto de mim,
o nariz descomunal, o olhar vazio.

É pois fácil de compreender a minha reacção
esta manhã na praia
quando abriste a tua mão para me mostrares
uma pedra que tinhas apanhado à beira-mar.

“Não vês a cara?” perguntaste tu
enquanto a vaga fria tocava os nossos tornozelos nus.
“Aqui está o olho, a linha da boca, como se estivesse
a fazer uma careta, como se lhe doesse alguma coisa.”

“Bem, talvez seja porque tem um corte
que atravessa o comprimento da testa,
para não mencionar uma espécie de bico retorcido”,

disse eu, tirando-te a aberração da mão e atirando-a
por cima do brilho das ondas azuis
para que assim continuasse a levar a sua vida anormal
no escuro profundo do mar

e parasse de importunar veraneantes inocentes como nós,
parasse de estragar o verão a toda a gente.


Billy Collins, Amor Universal,
trad. Ricardo Marques,
Lisboa: Averno, 2014





[ID, Madrid, 20/08/015]

terça-feira, 25 de agosto de 2015

S de Solidão (ou C de Comunidade) - LXII


"[...] É fácil, estando no mundo, viver segundo a opinião do mundo; é fácil, na solidão, viver segundo a nossa, mas tem grandeza aquele que no meio da multidão guarda com uma serenidade perfeita a independência da solidão."


- RALPH WALDO EMERSON
in A Confiança em Si, com trad. de Saul Costa e fotografias de Daniel Costa, 
Lisboa, Livros Vendaval, 2001

domingo, 23 de agosto de 2015

sábado, 22 de agosto de 2015

D de Desobediência




[ID, Casa Alberto, Madrid 2010/2015]

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

L de (A) Luz da Sombra (XLVI)




[ID, Madrid, 015]

terça-feira, 18 de agosto de 2015

domingo, 16 de agosto de 2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

H de História de amor - d



Lívio olha fixamente na direcção de Mónica. Imaginemos um soneto canónico em que um dos versos tem mais quatro ou cinco silabas que os restantes. Sucede o mesmo com este plano, que colocado nas mãos de qualquer montador de qualquer parte do mundo ficaria com uma boa meia dúzia de segundos a menos. Eu penso, todavia, que é preciso querer errar para que se acerte absolutamente.


João César Monteiro, "Quem espera por sapatos de defunto morre descalço"
in Obra Escrita 1, Lisboa: Letra Livre, 2014

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O de "Onde se lê gato" (X)


"Dormir ao sol, ser o dono da tua pequena ilha ao sol. Governá-la é: dominar o mundo, nada fazer."




Rui Caeiro, 49 espinhas para um gato,
com desenhos de Luis Manuel Gaspar,
Lisboa: Edição do Autor, 1997