quinta-feira, 21 de novembro de 2013

L de Louvor e simplificação


23. Mas falemos dos animais. O interessante nos animais é que nunca simplificam, ao contrário dos homens. Os homens simplificam, porque conseguem ver sempre outra camada e outra e outra; no fundo, são animais que antes de simplificar complicam, é a sua natureza, a do homem. E como sabem complicar à brava, por vezes, entediam-se ou ficam cansados ou distraídos, olham para outro lado e zás: eis que o estranho sucede: simplificam. Louvados sejam (eis um à parte) os homens que simplificam (é o que me parece).
 
 
Gonçalo M. Tavares, "Breves notas sobre o poder"
in Granta n.º2, Lisboa, Tinta-da-china, 2013
 
 
 
*
 
 
 
CAMADAS
 
 
Um quarto como há mil, assim parece.
Raízes de cabelo o tecto são.
Muito pó, sim. Um armazém talvez.
Mas íntimo. Sem nada de um salão.
 
É a primeira vez que eu aqui estou,
Pois nunca ousara entrar. Ali diante,
Pela porta me passava já na infância
Um cheiro adocicado, penetrante.
 
Há um armário. Eu venço a timidez.
Gaveta por gaveta, com mãos ousadas,
Desvelo. Vejo caixas. Mas eu sei
Que a essas manterei sempre fechadas.
 
 
Gerrit Komrij
in Contrabando - uma antologia poética, trad. Fernando Venâncio,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2005

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