sábado, 27 de abril de 2013

E de Epígrafe - II b


 A PORTA QUE SE FECHA



Tu bem o vês, irmã: estou cansada,
cansada, gasta, enfraquecida,
como o pilar de um portão estreito
à entrada de um imenso pátio;
como um velho pilar
que toda a vida
impediu a violenta fuga
de uma louca aí fechada.
Oh, as palavras prisioneiras
que batem, batem
furiosamente
à porta da alma
e a porta da alma
que pouco a pouco
cruelmente
se fecha!
E todos os dias a passagem se estreita
e todos os dias o assalto é mais forte.
E no último dia
- eu sei-o bem -
no último dia
quando um único raio de luz
se derramar pela fresta restante *
no seio das trevas,
então haverá a onda monstruosa,
o choque terrível,
o uivo mortal
das palavras não nascidas
em direcção ao último sonho de sol.
E depois,
atrás da porta para sempre fechada,
haverá a noite plena,
a frescura,
o silêncio.
E depois,
com os lábios fechados,
com os olhos abertos
sobre o misterioso céu da sombra,
haverá
- tu bem o sabes - 
a paz.


Antonia Pozzi, Morte de uma estação,
Lisboa: Averno, 2012






* in Inês Dias, Um raio ardente e paredes frias,
Lisboa: Averno, 2013, p.5

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