domingo, 10 de março de 2013

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XLIV)


SERPENTES AURIVERDES



As fotografias ardem nas horas que ardem em mim
pele, carne, uma boca branca com bagas de insónia. Atirado com pedras
coloco a cabeça nos orifícios da fuga. E quando chegas e abres a porta
a árvore onde o sol brilha e que olho há 50 horas
desaparece debaixo do teu desespero

o trabalho e a casa sem mundo, o barulho do êxodo que lá fora entra
nas tuas e nas minhas mãos

para fugir não temos força, ganhámos o torpor amarelo da rendição
como quem come carne de semelhantes. Olhamo-nos 
e bolinhas de algodão caem à nossa volta,
pólens de luz eléctrica

a nossa voz sem palavras e sem fim
não é capaz de parar o murro que nos vicia 
pergunto se vais ajudar no piquete
já lá estive, o povo que se foda, só lá estamos nós a pregar aos peixinhos
que se incendeie tudo com gasolina e espanquemos o governador civil.


João Almeida, A Formiga Argentina,
Lisboa: Averno, 2005

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