domingo, 23 de setembro de 2012

P de (The) Privacy of Rain (XXXII)

Não porque chove serei digno. E quando
o serei, em que momento? Entre a pausa
que vai de gota a gota? Se chegasses
de súbito e juntamente com a manhã,
juntamente com este crescente mês, sabendo,
como a chuva sabe da minha infância,
que uma coisa é chegar e outra chegar-me
desde aquela vez para nada…
Se chegasses de repente, o que diria?
Cheira a silêncio cada ser e rápida
a visão cai desde o mais alto, sempre.
Como o húmus dos campos, basta,
basta ao meu coração ligeira sementeira
para se dar até ao limite. Também basta,
não sei porquê, à nuvem. Que eficácia
a do amor. E chove. Estou a pensar
que a chuva não tem o sal das lágrimas.
Pode ser que já seja um pouco mais digno.
E é pelo sol, por este vento, que eleva
a vida, pelo fumo dos montes,
pela rocha, na noite ainda mais precisa,
pelo distante mar. É pelo único
que purifica, pelo que nos salva.
Queria estar contigo não para te ver
mas para ver o mesmo que tu, cada
coisa em que respiras como nesta
chuva de tanta simplicidade, que lava.
 
 
Claudio Rodríguez, Don de la Ebriedad, 1953

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