terça-feira, 5 de junho de 2012

O AMADOR DE POEMAS


Se olhar de repente para o meu verdadeiro pensamento, não me consolo por ter de suportar esta palavra interior sem pessoa nem origem; estas figuras efémeras; e esta infinidade de projectos interrompidos pela sua própria facilidade, que se transformam uns nos outros, sem que nada mude com eles. Incoerente sem o parecer, instantaneamente anulado por ser espontâneo, o pensamento, devido à sua própria natureza, é destituído de estilo.
    
Mas nem todos os dias tenho a força de dedicar a minha atenção a alguns seres necessários, ou de simular os obstáculos espirituais capazes de criarem uma aparência de começo, de plenitude e de fim, em vez desta minha fuga insuportável.
    
Um poema é uma duração, na qual, leitor, respiro uma lei que foi preparada; ofereço-lhe a minha respiração e as máquinas da minha voz; ou apenas o seu poder, que se concilia com o silêncio.

Entrego-me a esse andamento encantatório: ler, viver onde nos levam as palavras. A sua aparição está escrita. As suas sonoridades concertadas. A sua vibração forma-se, segundo uma meditação anterior, e elas precipitam-se, em grupos magníficos ou puros, na ressonância. Até os meus assombros estão garantidos: são previamente escondidos e fazem parte do conjunto.
  
Levado pela escrita fatal, e uma vez que a métrica sempre futura domina de modo irreversível a minha memória, sinto cada palavra com toda a sua força, por a ter esperado indefinidamente. Esta dimensão, que me transporta e a que eu dou cor, protege-me do verdadeiro e do falso. Nem a dúvida me divide, nem a razão me atormenta. Nenhum acaso, mas uma sorte extraordinária que se fortalece. Encontro sem esforço a linguagem dessa felicidade; e penso por artifício, um pensamento todo certo, maravilhosamente previdente - com lacunas calculadas, sem trevas involuntárias, cujo movimento me dirige e cuja quantidade me preenche: um pensamento singularmente pleno.


Paul Valéry
[Trad. ID]

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