quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

F de Fazer fotografia - VII b

Não era o que queríamos     esta coisa a rasar a tristeza
e afinal até fiquei com um retrato
Agora hei-de ter sempre o Fellini ao teu lado
é     qualquer coisa que vem do cinema     não estava à espera
o Mastroianni no seu requiem     e nós também
mas nós ainda com as luzes de Lisboa     em direcção
ao bairro     as flores querendo romper do chão em obras
e eu sem saber ao certo em que céu guardar o meu segredo


Abel Neves

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XVI)

A de Anjos caídos (IV)


O meu carrossel dos dias úteis.


C de Carrosséis (XIV)

Henriette Grindat, Lausanne, c.1950

B de Biorritmo (CXIX)

TROUBLE IS A MAN


Nova Iorque, 1986: sente-se atraída
pela capa de um disco chamado Evol,
onde uma das canções se chama Marilyn Moore.
Não é fácil, para uma morta, ressuscitar
tão inesperadamente. Há, portanto,
quem se lembre do seu silêncio em tempo de ruído.

Em casa, o disco causa-lhe primeiro horror,
depois uma breve simpatia, e acaba
por reconhecer que a letra é o mais fiel retrato
que alguma vez pôde ter de si própria: "frustrated desire
turns you away/ and turns you insane/ over and over".

Marilyn Moore sabe, finalmente, que já pode morrer.




Manuel de Freitas, Marilyn Moore, com 3 desenhos de Adriana Molder,
Lisboa: Assírio & Alvim, Dezembro 2011

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

B de "[...] but some of us are looking at the stars." b



[...]
I'm waiting for the night to fall
When everything is bearable
And there in the still
All that you feel is tranquillity
[...]

 

A de Anomalia poética




Lisboa, 23/02/12

E de Espera (XVI)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

J de Janelas (VII)


Vilhelm Hammershøi, «Une ancienne cour de christianshavn», 1899


[Via Luis Manuel Gaspar]

M de Música para os meus olhos (XXVII)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

B de "[...] but some of us are looking at the stars."

LIX


AS ESTRELAS SÃO PESCADORES E ANDAM À PESCA DE GENTE


     Quanto mais avançava a noite mais se aclarava o céu. Bem podia o sol andar a mostrar as coisas a toda a luz quando o Antunes só de noite é que as sabia ver todas juntas, ainda para lá das estrelas! E não era todas as noites. Há noites como esta que marcam a vida de uma pessoa. Nunca a sua cabeça estivera tão a gosto como hoje àquela janela e com todo o espaço para voar. Nenhuma janela de nenhum andar se pode comparar à independência de uma janela de telhado. O Antunes reparou que ao começar a noite as primeiras janelas a acenderem-se eram as dos pátios, e alta a noite as últimas a apagarem-se as das águas-furtadas. Não admira, ficam mais perto das estrelas, e é por isso que subiram para cima dos telhados, para as ouvir melhor. Se não houvesse as águas-furtadas, o mundo estaria todo ainda por fazer e, além disso, em que outro sítio iriam ficar os descontentes? Quantas vezes o sol com a sua mania da pontualidade deixou por acabar a solução da humanidade numa água-furtada? Doce espectáculo da humanidade sem o contacto das gentes. Saudável refúgio que enche o quarto sem nada nas gavetas. Último patamar do mundo para descer ou subir, à escolha, à nossa escolha. A nossa vontade está-se a procurar no inconsciente da madrugada. Ou não é da vontade que se trata, é só do inconsciente, tão necessário nestes dias tão certos. Porque não me hei-de explicar, se tenho em mim todos os dados? Hei-de morrer sem saber dizer-me todo? Hei-de acabar por não me dar a conhecer bem a mim nem aos outros?
     Um rumor dentro de casa fê-lo despertar daquela evasão. O deserto não fica mais longe do mundo do que uma água-furtada. A sua garganta teve de tossir. Era o momento de mudar a posição do corpo no parapeito da janela. Ou as estrelas acessíveis ou a presença daquele quarto ligado à terra.


José de Almada Negreiros, Nome de Guerra

D de Davam grandes passeios ao domingo (V)



(A única função do amor é ajudar-nos a suportar as tardes dominicais, cruéis e intermináveis, que nos ferem para o resto da semana - e para toda a eternidade.)

  
Emil Cioran
in Précis de Décomposition

sábado, 25 de fevereiro de 2012

M de Música para os meus olhos (XXVI)

Mesmo se tirarmos o som, continuamos a ouvir a música. E devia ser sempre assim:

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

M de Música para os meus olhos - XXV b

E as estátuas:


Elliott Erwitt, Tate Gallery, London, 1993

P de Poética (XX)

SEGUNDA PROPOSIÇÃO

O poema
está terminado
agora parte-o
e quando se voltar a juntar
parte-o de novo
nos sítios em que toca a realidade
remove-lhe as articulações
os elementos fortuitos
que provêm da imaginação
os que restarem
une-os
com o silêncio
ou deixa-os soltos
quando
o poema estiver terminado
tira-lhe os alicerces
sobre os quais assenta
- os alicerces
restringem os movimentos -
então a construção
elevar-se-á
e por instantes vai
pairar acima da realidade
com a qual acabará
por colidir
essa colisão
será o nascimento
de um novo poema
estranho à realidade
surpreendendo-a
dividindo-a
e transformando-a
     
e ele próprio sofrendo
uma transformação

Tadeusz Rózewicz
in Inquiétude / in They came to see a poet

B de Biorritmo (CXVIII)




Alone together, beyond the crowd,
Above the world [...]


[Pedido emprestado ao vizinho do 1º Esquerdo] 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

R de Regresso ao trabalho (XXXVIII)

DESPEDIDA




Ela pensava
que o mundo era triste
à sua volta
que as flores eram tristes assim como a chuva
que a tristeza se tinha escondido
na lã áspera
cheirando a reseda-brava
que tristes eram as vozes
dos que partiam
e triste o alegre cocheiro do fiacre
que estalava o seu chicote
ela pensava
o céu e a terra
entristecem-se demasiado
em vez disso
eram as rodas que giravam cada vez mais
rápidas e distantes

Imensas e sem limites.




Tadeus Rózewicz
in Inquiétude, Paris: Buchet/Chastel, 2005

A de "até que os fios do coração" (IX)


Ontem, ainda no centro do mundo.

B de Biorritmo (CXVII)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

M de Música para os meus olhos (XXV)

... E as estátuas:

PASSEIO SOBRE A CIRCUNFERÊNCIA


     No interior do círculo que engloba os seres numa comunidade de interesses e de esperanças, o espírito inimigo das miragens abre um caminho do centro até à periferia. Já não consegue ouvir de perto o bulício dos humanos; quer observar do mais longe possível a simetria maldita que os une. Vê mártires em todo o lado: uns sacificam-se por carências visíveis, outros por necessidades incontroláveis, todos prontos a sepultarem os seus nomes sob uma certeza; e, como nem todos podem lá chegar, a maioria expia pela banalidade esse entusiasmo do sangue com que sonhou... As suas vidas são feitas de uma imensa liberdade de morrer que não souberam aproveitar: inexpressivo holocausto da história, a vala comum devora-os.
     Mas, o fervoroso das separações, ao procurar caminhos não frequentados pelas hordas, retira-se para a margem extrema e avança no limite do círculo, que não pode transpor enquanto estiver submetido ao corpo; no entanto, a Consciência paira mais longe, inteiramente pura num tédio sem seres nem objectos. Já não sofrendo, superior aos pretextos que nos convidam a morrer, ela esquece o homem que a suporta. Mais irreal do que uma estrela pressentida numa alucinação, ela propõe a condição de uma pirueta sideral, - enquanto sobre a circunferência da vida a alma se passeia, encontrando-se apenas a si própria e à sua impotência para responder ao apelo do Vazio.


Emil Cioran
in Précis de Décomposition (1949)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

P de Pássaros anónimos


A de Aniversário (IX)



I'm so happy 'cause today
I found my friends
They're in my head
I'm so ugly, that's okay
'Cause so are you
Broke our mirrors
Sunday morning is everyday
For all I care
And I'm not scared
Light my candles, in a daze
'Cause I've found God

[...]

A de Afinidades Electivas (III)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A DOR
[Jardins da Gulbenkian, 1926]


Para o Alexandre e o Diogo



A dor tem afinal memória.
Guardámos-lhe as promessas
quebradas, o sangue cosido,
todos os passos no mapa do tesouro
que nos trouxe a esta tarde.

E o mapa pode até ser falso
ou a luz demasiado pobre,
que não nos voltaremos a perder
assim: aprendemos a traficar
o caminho a três vozes,
deixando os nossos mortos
e ruínas a marcar cada encruzilhada.

Basta agora escolher
um horizonte, abrir as mãos,
evitar as pontes do hábito.
Será uma estrada nova,
nossa. Chegaremos então.



ID

R de Rezar na era da técnica (V)


[Santos, 18/02/12]

sábado, 18 de fevereiro de 2012

L de Ler (X)


Gerd Baatz, Image of destruction in Berlin, 1944-45

B de Biorritmo (CXVI)



in Paulo da Costa Domingos, Travesti,
Lisboa: &etc, 1979

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

E de Espera (XV)


Norman Parkinson, The Iron Road, November, 1947

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

P de Poética (XIX)




Sur la place chauffée au soleil
Une fille s'est mise à danser
Elle tourne toujours pareille
Aux danseuses d'antiquités
Sur la ville il fait trop chaud
Hommes et femmes sont assoupis
Et regardent par le carreau
Cette fille qui danse à midi

Ainsi certains jours paraît
Une flamme à nos yeux
A l'église où j'allais
On l'appelait le Bon Dieu
L'amoureux l'appelle l'amour
Le mendiant la charité
Le soleil l'appelle le jour
Et le brave homme la bonté

Sur la place vibrante d'air chaud
Où pas même ne paraît un chien
Ondulante comme un roseau
La fille bondit s'en va s'en vient
Ni guitare ni tambourin
Pour accompagner sa danse
Elle frappe dans ses mains
Pour se donner la cadence

[...]

Sur la place où tout est tranquille
Une fille s'est mise à chanter
Et son chant plane sur la ville
Hymne d'amour et de bonté
Mais sur la ville il fait trop chaud
Et pour ne point entendre son chant
Les hommes ferment leurs carreaux
Comme une porte entre morts et vivants

Ainsi certains jours paraît
Une flamme en nos cœurs
Mais nous ne voulons jamais
Laisser luire sa lueur
Nous nous bouchons les oreilles
Et nous nous voilons les yeux
Nous n'aimons point les réveils
De notre cœur déjà vieux

Sur la place un chien hurle encore
Car la fille s'en est allée
Et comme le chien hurlant la mort
Pleurent les hommes leur destinée

T de (Uma) teoria de pássaros (XXXIII)


Norman Parkinson, Tom Lehrer, 1959

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XIV)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

T de (Uma) teoria de pássaros (XXXII)



A vista a partir da mesa de trabalho, hoje.



terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A de "até que os fios do coração" (VIII)


Coração suficiente, hoje.

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XIII)

"Houve ocasião de tomarmos juntos o pequeno-almoço durante mais dum mês consecutivo García Lorca e eu. Um dia já na rua dirigiu-se a Federico um jovem enxuto como aço de navalha. Encostou-lhe o indicador ao peito e sentenciou: Tens de fazer arte social!

— Arte social?! Federico puxou escarro que não tinha e cuspiu-o para o lado: A arte é o social."


José de Almada Negreiros, Orpheu 1915-1965
Lisboa, Ática, 1965


[Obrigada, Luis Manuel Gaspar]

F de Falar para as paredes (XII)


[Lisboa, 12/02/12]

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

F de Fazer Fotografia - LIX b


Antonia Pozzi
[Pasturo, Setembro de 1937]

I de (A) Insustentável leveza do ser (II)


[Lisboa, 12/02/12]

domingo, 12 de fevereiro de 2012

S de "São tempos difíceis para os sonhadores."

B de Biorritmo (CXV)

Ouviu-se ontem, no final de mais uma noite de amigos:

sábado, 11 de fevereiro de 2012

I de Insónia (II)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Having a Coke with You


is even more fun than going to San Sebastian, Irún, Hendaye, Biarritz, Bayonne
or being sick to my stomach on the Travesera de Gracia in Barcelona
partly because in your orange shirt you look like a better happier St. Sebastian
partly because of my love for you, partly because of your love for yoghurt
partly because of the fluorescent orange tulips around the birches
partly because of the secrecy our smiles take on before people and statuary
it is hard to believe when I’m with you that there can be anything as still
as solemn as unpleasantly definitive as statuary when right in front of it
in the warm New York 4 o’clock light we are drifting back and forth
between each other like a tree breathing through its spectacles

and the portrait show seems to have no faces in it at all, just paint
you suddenly wonder why in the world anyone ever did them

I look
at you and I would rather look at you than all the portraits in the world
except possibly for the Polish Rider occasionally and anyway it’s in the Frick
which thank heavens you haven’t gone to yet so we can go together the first time
and the fact that you move so beautifully more or less takes care of Futurism
just as at home I never think of the Nude Descending a Staircase or
at a rehearsal a single drawing of Leonardo or Michelangelo that used to wow me
and what good does all the research of the Impressionists do them
when they never got the right person to stand near the tree when the sun sank
or for that matter Marino Marini when he didn’t pick the rider as carefully
as the horse

it seems they were all cheated of some marvelous experience
which is not going to go wasted on me which is why I am telling you about it


- Frank O’Hara

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

P de Pele



When you hear sweet syncopation
And the music softly moans
'ain't no sin to take off your skin
And dance around in your bones


When it gets too hot for comfot
And you can't get an ice cream cone
T'ain't no sin to take off your skin
And dance around your bones


Just like those bamboo babies
Down in the South Sea tropic zone
T'ain't no sin to take off your skin
And dance around your bones

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

E de Estado da nação


[Lisboa, II/012]

R de Regresso ao Trabalho (XXXVII)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

N de "Nous deux encore"


[Benfica, II/012]


T de (Uma) teoria de pássaros (XXXI)

Holman Hunt, The Awakening Conscience (1853)

[detalhe]

Obrigada, David.

F de "(Une) Famille d'Arbres" - II c *


Uma das minhas fotografias preferidas:
Eduardo Gageiro / Lumiar, 1965


T de (Uma) teoria de pássaros (XXX)

A de Antes de amanhecer (II)

ASUNCIÓN DE TI


A Luz


[...]
3


Puedes querer el alba
cuando ames.
Puedes venir a reclamarte como eras.
He conservado intacto tu paisaje.
Lo dejaré en tus manos
cuando éstas lleguen, como siempre,
anunciándote.
Puedes
venir a reclamarte como eras.
Aunque ya no seas tú.
Aunque mi voz te espere
sola en su azar
quemando
y tu sueño sea eso y mucho más.
Puedes amar el alba
cuando quieras.
Mi soledad ha aprendido a ostentarte.
Esta noche, otra noche
tú estarás
y volverá a gemir el tiempo giratorio
y los labios dirán
esta paz ahora esta paz ahora.
Ahora puedes venir a reclamarte,
penetrar en tus sábanas de alegre angustia,
reconocer tu tibio corazón sin excusas,
los cuadros persuadidos,
saberte aquí.
Habrá para vivir cualquier huida
y el momento de la espuma y el sol
que aquí permanecieron.
Habrá para aprender otra piedad
y el momento del sueño y el amor
que aquí permanecieron.
Esta noche, otra noche
tú estarás,
tibia estarás al alcance de mis ojos,
lejos ya de la ausencia que no nos pertenece.
He conservado intacto tu paisaje
pero no sé hasta dónde está intacto sin ti,
sin que tú le prometas horizontes de niebla,
sin que tú le reclames su ventana de arena.
Puedes querer el alba cuando ames.
Debes venir a reclamarte como eras.
Aunque ya no seas tú,
aunque contigo traigas
dolor y otros milagros.
Aunque seas otro rostro
de tu cielo hacia mí.


Mario Benedetti, Inventario - Poesía 1950-1985,
Madrid: Visor Libros, 2008

B de Biorritmo (CXIV)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

R de Regresso ao Trabalho (XXXVI)

Os outros sempre foram um território difícil
(imagem do manual de História e Geografia de Portugal - 5º Ano):

T de (Uma) teoria de pássaros (XXIX)

[Mais uma razão para regressar a Copenhaga]

E de Espera (XIV)















Do primeiro filme que vi de
François Truffaut (6 de Fevereiro de 1932 - 1984).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

T de Tratado de Pedagogia (XLII)


Arthur Tress, "Boy in TV Set, Boston, MA", 1972

T de (Uma) teoria de pássaros (XXVIII)


Lucien Clergue, "Cocteau, Les Baux", 1959