quarta-feira, 23 de novembro de 2011

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (VIII)

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Nas actuais “democracias”, que tendem a limitar-se à promoção de um sistema económico assente na competitividade, a arte – que desde sempre atesta o humano do homem, a sua capacidade de criar enquanto capacidade de ser singular e de viver em comum – é posta em perigo por um conjunto de mecanismos, os mesmos que são usados para forçar o consumo de qualquer tipo de mercadorias, nomeadamente, os da indiferenciação entre informação, propaganda e publicidade, sendo que estas últimas tendem a ser simples técnicas impositivas de comportamentos, criando elas próprias o ambiente propício para se tornarem cada vez mais poderosas. É assim que proliferam os chamados criativos e as “indústrias criativas”, que os nomes de artistas se convertem em marcas comerciais, ou que um grupo de produtores, “agentes artísticos”, “cria” os próprios artistas, como um bom agente de publicidade pode “criar” o produto a consumir. O controlo dos indivíduos por um Estado “democrático”, através do qual o capital exerce o seu poder, não decorre de meios directos de controlo mas da cumplicidade entre a gestão centralizada de certos recursos e serviços e o poder do marketing detido pelos média, que são o principal veículo do entretenimento […]. O controlo é permanente: a formação de “públicos”, contínua e vinda de todos os lados, abole o silêncio e o espanto pela saturação do quotidiano por músicas, imagens, “notícias” e jogos que não só produzem identificações automáticas como introduzem compulsões ao exercício do poder, correspondentes a um tudo-é-possível-e-tudo-se-equivale. Estão em perigo o sentir e o pensar, motivo pelo qual a resposta singular que a arte convoca é rasurada pelas instituições que pretendem fazê-la render, moldá-la às circunstâncias, que se resumem ao lucro.
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Silvina Rodrigues Lopes, "Precedências desajustadas"
in Persistência da Obra - Arte e Política,
org. Tomás Maia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2011

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