quarta-feira, 18 de maio de 2016

C de Coimbra (II)




CAFÉ SANTA CRUZ


Se queres ver os tritões
- ou, se preferires, as sereias –
nos três vitrais da entrada,
deves chegar a meio da tarde
e obrigar-te a não ter pressa.
Em Coimbra morre-se devagar. É bom.

Conheci poucos lugares onde
reinasse assim o esplendor do incomum.
Cada mesa tão diferente da outra:
um pintor rústico que faz dos dedos
pincéis, dois namorados que já saíram,
com a pressa física do amor,
o velho reformado que lê pela décima vez
o jornal da véspera – ou ainda o que
regista envergonhado estes versos.
Desiguais abismos, maneiras de se
se estar só, encontram aqui um abrigo
temporário, senão a própria rasura do tempo.

Pouco importa. Abandona-te, finalmente,
ao sortilégio mudo de sereias
ou tritões. É tudo o que precisas.
Uma música feliz perde-se na tarde
e as lágrimas, afinal, são uma espécie de sorriso.


Manuel de Freitas, Juros de Demora, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007




[ID, Coimbra, 14/05/016]

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