domingo, 17 de outubro de 2010

S de Solidão (ou C de Comunidade) IV

Que tristeza. O dia levanta-se. Retida pelo sono e pelo sonho, ainda penso que posso viver sem ter que satisfazer as minhas necessidades imediatas. Mas é domingo, dia em que a nostalgia começa ao entardecer, quando sei que amanhã devo levantar-me em perfeita contradição com o tempo. O tempo assusta-se, talvez, eu vou desempenhar o meu papel de mulher que trabalha. […] Se não fosse a imposição do trabalho, muito raramente estaria com outras pessoas, e só em condições especiais. Cada um devia partir para seu lado e canto, durante anos de solidão, ou seja, durante o tempo necessário de fazer outros tipos de conhecimento. É preciso ter outras relações, as relações entre os homens são de matéria plástica, opaca, violenta. O olho vê apenas outro olho; o dente esbarra com outro doente.
Mas hoje ainda é domingo, ainda é manhã escura em que poderei continuar a ser terna com quem está aqui na casa, sem necessária aparência de homem, e com raro espírito de ver.


Maria Gabriela Llansol, UM ARCO SINGULAR – Livro de Horas II,
Assírio & Alvim, p.146

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