quinta-feira, 6 de agosto de 2020

F de Férias (II)


TEMPO SEM TEMPO
(Mario Benedetti)


Preciso de tempo necessito desse tempo 
que outros deixam abandonado 
porque lhes sobra ou já não sabem 
que fazer com ele 
tempo 
em branco 
em vermelho 
em verde 
até em castanho escuro 
não me importa a cor 
cândido tempo 
que eu possa abrir 
e fechar 
como uma porta 

Tempo para olhar uma árvore um farol 
para andar pelo fio do descanso 
para pensar que ainda bem que hoje não é Inverno 
para morrer um pouco 
e nascer em seguida 
e dar-me conta 
e dar-me corda 
preciso do tempo necessário para 
chapinhar umas horas na vida 
e para investigar por que estou triste 
e acostumar-me ao meu esqueleto antigo 

Tempo para esconder-me no canto de um galo 
e reaparecer num relincho 
e para estar em dia 
e para estar em noite 
tempo sem recato e sem relógio 

Que o mesmo é dizer preciso 
ou seja necessito 
digamos que me faz falta 
tempo sem tempo. 


Versão de Miguel Martins 
in Proibida a entrada a animais (excepto cães-guia), 
Lisbao, Língua Morta, 2010

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