quarta-feira, 19 de maio de 2010

I de Inverness (II)

GRAND HOTEL KØBENHAVN, 326


Onze horas: a tua mão adormecida marca
agora um conto de Karen Blixen
– veremos em breve essa casa cinzenta,
em Helsingør – enquanto eu ouço uma sonata
de Scarlatti tocada por Scott Ross
e sei que também isso ficarei a dever à Dinamarca.

Apontamentos culturais? Podem até chamar-lhes
assim, ignorando a áspera nudez da voz,
o grito comum que viemos suspender aqui.
Lá em baixo, por exemplo, os funcionários do
restaurante, terminado o serviço, abrem
a terceira garrafa de champanhe e fumam
ruidosamente, como se amanhã não existisse.

A questão, no fundo, é apenas esta: há momentos
em que a vida nos parece quase bela,
escolhos onde embatem as mais íntimas certezas.

Talvez adormeçamos lado a lado,
de costas para a morte, e haja corsários ao fundo,
um mar de gelo protegendo-nos da noite.


Manuel de Freitas, Brynt Kobolt

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